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IAVE

OS EXAMES E A COESÃO NACIONAL

 

Nada bulia na sala. O exame nacional de Português decorria com a contenção e reverência necessárias.  O professor vigilante combatia a dolência que o invadia antecipando fantasiosas fraudes com telemóveis que tivessem escapado às inúmeras advertências, declarações assinadas e juras pela minha saúde exigidas no regulamento. Subitamente, a música disco do século passado irrompeu pela sala. Os examinandos, a Blimunda, Bartolomeu e a passarola voadora ficaram suspensos. Professores vigilantes, júris, coadjuvantes, inspectores, funcionários e mirones agitam-se e exigem, em sussurros e bicos de pés, o respeito e o silêncio próprio à homilia. A massiva conjugação de esforços consegue parar rapidamente o dançante ruído e repor o silêncio. Tratava-se afinal de uma festa para cidadãos da terceira idade promovida pelo município no jardim adjacente à escola.

 

Foi então, no anticlímax, que o professor teve a sua epifania. Viu com a clareza própria de um juiz do constitucional o verdadeiro significado dos Exames Nacionais: o derradeiro baluarte da coesão nacional.

 

Todas as nações necessitam, para a sua existência, de momentos de exaltação dos seus laços de identidade. As nações arcaicas reúnem-se na ritualizada celebração dos solstícios, das fases da lua, das chuvas ou das vindimas. As antigas integram estes eventos na religião e celebram momentos decisivos da vida, e morte, dos seus profetas. As nações modernas utilizam como cimento da sua coesão datas relevantes da história comum, principalmente aquelas que marcam a constituição e preservação da própria nação: reinados venturosos, batalhas decisivas, revoluções ou campeonatos de futebol.

 

Os mandantes no Portugal moderno – que na realidade se resume a algumas zonas de Lisboa e Cascais, à Comporta, a parte da península de Troia e a um bar nos Açores - desconhecem o significado, e a necessidade, destas comemorações e dispersam a coesão nacional abolindo feriados e promovendo festas elitistas e lesivas da verdadeira união nacional.

Há quem diga que isto é inevitável e se deve à globalização. Talvez seja assim mas felizmente temos um heróico grupo de servidores de estado que, imune às críticas, tem laboriosamente criado esse instrumento único da coesão nacional que dá pelo nome de IAVE, Instituto de Avaliação Educativa, IP.       

Partindo de um modesto gabinete na 5 de Outubro, estes portugueses visionários, assessorados por 26 (vinte e seis) ministros da educação, conseguiram em quarenta anos transformar o gabinete em Instituto e a época de exames no verdadeiro baluarte da unidade nacional.

Os portugueses confiam no IAVE. Contrariamente a outros institutos é sério, diligente e honesto. Organiza exemplarmente um austero período de exames que motiva os portugueses para um objectivo comum: pôr os seus jovens calados, a ler e a escrever com os telemóveis desligados.

O período em que decorrem as provas foi substancialmente alargado para juntar a nação desavinda. Ao limitar as férias de verão a uma quinzena de Agosto, o IAVE consegue reunir os residentes com os seus irmãos da diáspora em verdadeiros rituais de portugalidade com sardinhas, febras e o Tony Carreira.

 

Acreditamos que o IAVE, que já merece um ministério, cumprirá o seu grande objectivo: pôr metade dos portugueses a trabalhar para que a outra metade faça exames em condições ideais de equidade, sossego e temperatura amena. Assim seja.

 

Eduardo Coutinho

Professor e Vigilante

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